“Eu treinava com olheiras, porque tomava laxante. Passar a noite inteira no banheiro para manter o peso era uma desvantagem competitiva. Outras ginastas conseguiam vomitar e podiam dormir. Eu tentei a bulimia. Me ajoelhei na frente da privada, levantei a tampa e enfiei o dedo na garganta. Ânsia, ânsia, ânsia e nada. Tentei outras noites: um dedo, dois dedos, três dedos, a escova de dentes...
O problema começou por causa da pressão com o peso que conheci quando fui para a seleção brasileira de ginástica rítmica, em 2007. Eu me apresentava para treinar com os lábios roxos, porque estava desidratada. Na noite anterior, vestia vários casacos, me enrolava no papel filme e ia pular corda ou subir e descer escadas até ficar empapada de suor.
Acordava com o corpo tremendo de tão fraco, mas aliviada. A pesagem acontecia com todos os ginastas juntos. Para quem aumentava, nem que fossem 100 gramas, os técnicos gritavam: "GORDA, OBESA". Completavam a humilhação com agressões à honra. "Não vou levar para competição para passar vergonha com você gorda desse jeito". As pessoas saíam chorando. Essa era a cultura da ginástica rítmica.”
Esse é o trecho da entrevista que ginasta Angelica Kvieczynski, cedeu a coluna Uol sobre sua trajetória na ginastica rítmica que vou deixar o link abaixo. Apesar do texto se tratar da ginastica, quero compartilhar com vocês pois este texto relata de maneira nua e crua a verdade que se passa nos bastidores não só da ginastica, mas do ballet também.
Quando vemos, essas atletas (e SIM, bailarinos são atletas) se afundando por conta dos resultados, vemos o quanto essas modalidades precisam de um olhar mais humanizado e paciente desde a formação, pois por maior o talento que exista dentro deles, há primeiramente um ser humano, um ser único, que precisa ser tratado de modo diferente do seu colega do lado.
E por mais que muitos falem que para se profissionalizar, é necessário um padrão, eu afirmo que ao buscar essa especialização, você não precisa se pautar primeiro pelo peso e altura a qualquer custo. Você precisa pensar em preparar o seu corpo da maneira correta, com acompanhamento nutricional e físico que AUTOMATICAMENTE o seu corpo se “moldará” aos “padrões”. E digo bem com aspas, porque não são quilos que devem pautar o talento nem a performance do bailarino em questão.
Se você é um bailarino e faz o que é pedido pelos seus mestres e diretores, não tem porquê buscar uma quilagem ou visual que se adeque ao que a sociedade impõe, você precisa fazer o que tem que ser feito.
Além disso, temos os casos de racismo, preconceitos com LGBTQ+, posição social e muitas outras pautas que, “no calor das competições” passam batido e não são problematizadas.
No texto, a Angelica cita que, hoje, como técnica de ginastica, procura justamente não reproduzir o que fizeram com ela, porque isso desencadeou uma série de transtornos e quase suicídio, que ela acredita não precisar levar seus alunos. Mas eu ainda sim questiono, é preciso que mais atletas consagradas como ela precise sofrer, se machucar e quase morrer, para poder perceber que não precisamos de tudo isso pra gerar uma boa performance na dança/ginastica?
Será que esses mestres ainda precisam continuar cobrando um padrão visual que a gente sabe que não é o usual no Brasil? Precisamos mesmo mudar a nossa história em função de um corpo que não nos pertence? Porque o corpo brasileiro nunca será igual ao russo, ao americano, ao italiano... O brasileiro é brasileiro e ao invés de moldar ao padrão imposto, seria muito mais interessante valorizar e evidenciar o que temos aqui no nosso país justamente para poder trabalhar o que realmente interessa que é a arte e a performance. Deixe aqui sua opinião ou comentário sobre o texto, pois acredito que todos nós devemos saber que por trás das coxias, há muito o que se discutir. O texto na íntegra você encontra aqui > https://www.uol.com.br/esporte/reportagens-especiais/minha-historia-angelica/index.htm
Ass: Tamires Reis
Profissional de Educação Física - Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
CREF: 154495- G/SP / DRT: 34.021
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