Eu hesitei em fazer esse post, mas depois de uma conversa com várias outras bailarinas, achei que minha experiencia pode ajudar outras pessoas também, então vamos lá...
Eu lembro muito bem da minha primeira aula de ballet. Eu tinha comprado uma legging e uma camiseta de cachorrinho e fiz meu melhor “penteado” já que estava começando mais tarde (aos 9 anos).
Cheguei na sala e o primeiro choque: a única sem uniforme, sem coque e a mais gordinha. Já fiquei cismada pq sempre fui muito tímida e ali eu tbm era a mais velha, pois todas estavam com 7 anos e eu era umas das (ou a única) com 9 anos, então já me sentia deslocada.
Só que eu acho que o primeiro soco no estomago que levei, logo no primeiro dia, foi ouvir da professora (que na minha visão era uma deusa) que eu tava errada e que PRECISAVA ir de coque. Eu realmente não sei se no dia eu já estava afetada pelo mix da novidade da aula, de não ter o uniforme e estar de maria Chiquinha, mas senti um soco no estomago logo no primeiro dia.
Enfim, nas semanas seguintes procurei me dedicar ao máximo, comprei meu uniforme, mas me sentia imensa perto das outras meninas, isso porque eu era a mais alta, mais gordinha e mais velha e fui cursando o primeiro ano.
Eis que 1 ano e meio depois, a escola na qual fui formada abriu suas portas e logo fui buscar a formação em si e encontrei outro impasse: entrei no segundo ano com 11 anos numa turma com pessoas mais velhas do que eu, mas aí eu consegui lidar melhor.
Meus 13 anos foram “emocionantes” porque foi o ano que precisei ajustar minha alimentação por conta dos triglicérides do meu pai e com isso emagreci muito, porém, meses depois meu pai acabou falecendo e infelizmente ele nunca me viu danças nas pontas.
A partir daquele ano, muita coisa mudou... Meu corpo, família, estudos, vida né!! E recebi o convite de avançar de turma no ballet. Só que isso ocorreu alguns meses antes do exame de final de ano.
Eis que mais um soco no estômago... Avancei de turma, mas no dia do exame tive que ser “reprovada” para continuar naquela turma. Hoje eu percebo que foi ali que me senti um lixo! Hoje penso: “porque me avançaram pra depois me segurar? Porque fizeram um discurso de avanço sendo que no fim das contas eu só troquei de turma?” Percebo que minha insegurança na dança começava ali.
Anos mais tarde, aos meus 16 anos, fui colocada a prova como professora e me avisaram numa sexta que iria começar a dar aula para uma turma de ballet adulto na terça feira seguinte. Como fazer? Como falar? Qual a sequência? Que CD? Pouco foi falado pra mim, mas encarei e assumi as turmas. Porém meses depois, a escola criou um curso de formação de professores e minhas colegas tiveram tempo hábil, auxilio e apoio para começar a dar aula, enquanto o discurso comigo era que “você é raçuda mesmo”, mas reconhecimento? Zero!
Mais um soco no estomago pra conta.
Chegou meu oitavo ano, eu era a única formanda da turma e coincidentemente a primeira formanda da escola. Eis que veio mais um soco no estomago: “Tamires, que tal esperar mais um ano pra fazer sua festa de formatura? Assim podemos fazer uma cerimonia que vc merece” A ideia parecia bem legal, só que ao longo do ano eu fui esquecida como a formanda e viramos AS FORMANDAS. Me senti mais uma no meio da história da escola e hoje entendo que aquilo parecia inofensivo, mas foi um dos motivos pra que eu me tornasse uma pessoa insegura da minha técnica e minha dança. Naquele ano eu não fui lembrada como a primeira formanda, eu fui remanejada (mais uma vez) para um grupo.
Lembro também de um caso que ganhei um mega concurso na escola que me levou pra NY em 2009 e ao dividir isso com minha professora, ao invés de ouvir parabéns, lembro de ter ouvido “legal, mas se você não ensaiar, você não dança no meio do ano”.
Eu era a única aluna do Grande ABC a ter conseguido a vaga para viajar pra fora do país, representando o Brasil na ONU e minha escola ao invés de apoiar, ficou mais preocupada com o espetáculo. Mais um soco na conta...
E assim foi minha vida depois de formada... A bailarina que decora as coisas nas aulas, mas que sempre ficava em segundo plano. Eu sei que tinham meninas muito talentosas na turma, elas eram incríveis, mas hoje como professora que sou, sei da importância de valorizar cada aluno com sua individualidade.
Posso não ser a rainha das pontas, mas sempre tive facilidade de decorar coisas e sempre ajudei todo mundo com ensaios e correções nas variações, mas na oportunidade que eu tive de finalmente me desafiar a dançar um conjunto nas pontas, ouvi que “o esforço foi glorioso, mas que não foi suficiente então vou escolher a aluna Y pra não prejudicar o conjunto”. Vocês imaginam o quanto foi doloroso ouvir isso?
Acho que por isso que me senti liberta no contemporâneo, pq lá não tinha padrões, não tinha preferencias e também não tinha nível. Todos tinham seu momento de improvisação que culminava na análise de suas potencialidades, pena que não pude curtir tanto porque já estava mais “velha”.
Mas enfim... Vivi momentos únicos na dança, aprendi a ter disciplina, a correr atrás, aprendi a entender e ouvir os outros, aprendi a dar aula, entendi que minha memória é muito boa e que a vista de tudo que vivi antes, sou uma bailarina extremamente versátil com qualquer nível e qualquer metodologia. Mas tem fantasmas e coisas que ouvi que refletem completamente na profissional que sou hoje.
Faço terapia, sou bailarina adulta e por mais que tenha aceitado algumas novas condições de vida, ainda tenho a insegurança e o medo de não ser suficiente que foi plantado lá atrás de modo sucinto, minucioso e quem sabe, até mesmo sem pretensão, mas que ainda rasga o peito ao lembrar.
O que quero trazer com isso? Quero trazer a importância de você acreditar fielmente no seu potencial e estar sempre atento aos comentários sobre você. O ballet é lindo, mas tem que ter cuidado e a terapia pode te ajudar a lidar com esse outro lado.
Não sou psicóloga, sou Personal, mas sei o quanto o aspecto emocional pode e vai afetar o estado físico de muitos bailarinos.
Você não É gorda! Você não É ruim! Você não É lenta!
Pode ser um dia ruim apenas, algo que ouviu em casa que afetou sua aula, então não deixe que as pessoas determinem quem você é, pois vc pode só ESTAR num dia ruim!
Ass: Tamires Reis
Profissional de Educação Física - Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
CREF: 154495- G/SP / DRT: 34.021
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